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- 16/12/22

Um ano de ajustes para os investimentos em startups

2022 foi um ano de ajustes do mercado de venture capital global. Após um 2021 de recordes nas rodadas de investimentos que somaram US$ 671 bilhões [1] em 38.644 transações, quase o dobro do valor do ano antecessor (2020), estamos observando um 2022 de redução relevante de volume de aportes. Neste ano, até o terceiro trimestre, os dados revelam um total de aportes de US$ 389,7 bilhões (comparado a US$ 522,1 bilhões no mesmo período do ano passado).

O Brasil acompanha a tendência global de redução das rodadas de investimentos. Do início deste ano até o terceiro trimestre, os aportes somaram R$ 22,3 bilhões em 213 deals. No mesmo período de 2021, as rodadas já haviam somado R$ 33,5 bilhões, encerrando o ano com o recorde de R$ 46,5 bilhões em 319 deals.

Tal situação já tem sido chamada por muitos como “crise” ou “inverno” das startups. Dentre as causas apontadas, a mais recorrente é a falta de liquidez global acarretada pela guinada da inflação e dos juros mundiais, o que exige cautela dos gestores dos fundos de venture capital, apesar de esses fundos continuarem com capitalizações altas [2]. Também observamos argumentos de que havia um cenário de exagerado otimismo em relação às startups, com precificações que pouco se justificavam, e o movimento atual representa um retorno de racionalidade saudável.

Quem vive o dia a dia das operações de venture capital realmente observou um ano em que as startups tiveram mais dificuldades de captar recursos. Os cortes de custos e demissões que vimos em grandes startups, refletem o olhar dos empreendedores quanto à necessidade de maior controle de caixa diante do cenário presente de dificuldade de captação de aportes e do receio de sua perduração em curto e médio prazo. A ideia de que sempre as empresas teriam acesso a capital fácil, barato e tolerante foi sendo desmistificada.

Para fazer frente à necessidade de caixa para financiar suas operações e sustentar crescimento, algumas startups optaram por aceitar captações com base em valuations inferiores às rodadas anteriores (o chamado downround) ou optaram por captações de dívida (venture debt). Outras, ainda estão buscando recursos [3].

Diante desse cenário, estratégia de M&A torna-se cada vez mais uma alternativa viável em horizonte de curto ou médio prazo, seja com a finalidade de acelerar saídas de fundadores e investidores através de venda da startup para um comprador institucional ou estratégico, seja para sustentar crescimento através da união com outras startups [4].

Recentemente, a Harvard Business Review publicou um artigo assinado por Todd Klein [5] explorando exatamente a possibilidade de uma onda de M&A de startups acontecer no período imediatamente pós recessão de investimentos em venture capital. O autor remete a um movimento similar ocorrido em relação ao período de recessão do mercado de venture capital de 2007 a 2010, indicando o aumento das transações de M&A de startups investidas por venture capital de US$ 30 bilhões em 2010 para US$ 70 bilhões em 2014.

Klein recomenda que as startups comecem a se preparar para essa provável onda futura, enumerando dicas valiosas para aquelas que visualizam M&A como alternativa. Dentre elas, destacamos: aumentar a escalabilidade dos sistemas da startup, no sentido de permitirem crescimento sem a necessidade de investimentos relevantes em infraestrutura no momento imediatamente pós aquisição, já que compradores valorizam aquisições que geram valor de imediato; ter suas demonstrações financeiras auditadas; “limpar as bagunças”, aproveitando para encerrar divisões com performance negativa, encerrar possíveis processos judiciais, limpar a captable (buscando adquirir ações daqueles acionistas incômodos); ter contatos mais próximo com assessores de M&A para que a empresa entre no fluxo de M&A da respectiva indústria com uma “boa história”; admitir membros do conselho de administração que possam ter conexões com possíveis adquirentes; manter planos de negócios e operacionais atualizados, englobando 3 a 5 exercícios sociais seguintes, assim como estratégias de contratações; manter um data room virtual ativo consistente. Todas essas medidas podem fazer a diferença em processos em que timing é essencial.

Na realidade de startups brasileiras, podemos ainda apontar como medidas recomendáveis de serem iniciadas o quanto antes: a regularização da captable, formalizando juridicamente as participações societárias dos acionistas; formalização dos planos, programas e outorgas de stock option; interrupção de práticas geradoras de contingências jurídicas; formalização de acordos de confidencialidade, não concorrência e não aliciamento com pessoas-chave da organização; formalização de acordo de acionistas com previsões claras de drag e tag along.

A depender do momento e da fase da captação da empresa, é de se estudar se a estrutura de capital deve já migrar para o exterior. Uma estrutura muito utilizada (chamada de Delaware + Cayman) pode ser adequada.

Relevante lembrar, ainda, que processos de due diligence de M&A costumam envolver análises sobre as pessoas físicas dos acionistas e administradores, sendo recomendável “limpar” eventuais apontamentos passíveis de questionamentos ou riscos para a futura transação.

Processos de M&A costumam levar 12 a 18 meses entre o início de conversas e fechamento da transação, o que nos leva a crer que quanto antes a startup se preparar, melhor ela se posicionará para não perder uma futura oportunidade de liquidez. Interessante notar, também, que muitas das recomendações acima também são aplicáveis para rodadas de captação de venture capital, o que aumenta o peso sobre o mérito e oportunidade de sua implementação.

Olhando de um modo mais pragmático, uma onda de M&A pode ou não ocorrer, assim como realizar um M&A nesse período pode ser ou não ser a melhor alternativa. Porém, estar preparado fará toda a diferença para deixar essa rota como uma opção viável. Qual seria melhor alternativa?

NOTAS:

[1] KPMG, Venture Pulse Q4 2021, 19 de janeiro de 2022, disponível em https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/xx/pdf/2022/01/venture-pulse-q4-2021.pdf

[2] Até o 3º trimestre de 2022, as captações dos fundos de venture capital somaram US$ 220,7 bilhões globalmente. O número é próximo ao captado no ano inteiro de 2021 (US$ 257,8 bilhões) .Vide KPMG, Venture Pulse Q3 2022, 19 de outubro de 2022, disponível em https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/xx/pdf/2022/10/venture-pulse-q3-2022.pdf.

[3] É verdade que ainda observamos startups bastante atrativas que mantiveram poder de barganha com os investidores em rodadas de captação, porém, é inegável que esse poder reduziu consideravelmente em comparação com 2021.

[4] Segundo dados da Distrito, M&As entre startups representaram 62,96% do total de M&As no Brasil em 2021. Vide https://distrito.me/blog/panomara-do-mercado-de-fusoes-e-aquisicoes/

[5] Disponível em https://hbr.org/2022/09/preparing-your-startup-for-the-next-ma-wave (acesso em 26 de novembro de 2022)

 

Fernando Zanotti é sócio de M&A e Venture Capital da Abe Advogados

William Nakasone, advogado sênior de Venture Capital da Abe Advogados