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- 14/08/23

Trusts e os desafios para encaixá-lo no ordenamento jurídico brasileiro

A intenção do governo brasileiro em regular o instituto do trust ocorre há algum tempo mediante a apresentação de projetos de lei perante o Congresso Nacional, sendo que, nos últimos três anos, dois deles foram apresentados e ocorreram relevantes posicionamentos das autoridades fiscais sobre o tema.

O trust voltou ao centro das atenções em 2016 sob o contexto do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), oportunidade em que se permitiu a regularização de ativos não declarados no exterior, mediante o pagamento de imposto e multa, conforme condições estabelecidas em legislação específica.

Além do RERCT, o instituto chegou a ser mencionado em alguns casos de grande repercussão na mídia, uma vez que fora utilizado por parlamentares para manutenção de recursos no exterior, os quais tiveram sua origem questionada.

Pela ausência de previsão no Brasil quanto à tributação deste instituto, foi realizada consulta à Receita Federal do Brasil sobre a problemática, oportunidade em que houve a interpretação, pelo referido órgão, a favor da incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) no momento do recebimento dos rendimentos pelos beneficiários.

Nesse contexto, com o intuito de pacificar as incertezas existentes, foi proposto o Projeto de Lei nº 4758/20, aprovado pela Câmara dos Deputados em 2022, e que atualmente aguarda apreciação e votação no Senado Federal, o qual, no âmbito do ordenamento brasileiro, prevê a criação do “Regime Geral da Fidúcia”, que muito se assemelha à estrutura internacional do trust.

Apesar de possuírem origens distintas na história do direito, tanto a fidúcia quanto o trust, regem relações em que há transferência de bens para a administração de terceiro, em favor de um beneficiário previamente definido.

Uma das principais críticas existentes à época da discussão do PL 4.758/20 foi a ausência de regramento tributário, na medida em que, apesar da eventual aprovação do texto no âmbito de direito civil, permaneceriam certos impasses na seara fiscal.

No final de novembro de 2022, foi apresentado o Projeto de Lei Complementar nº 145 de 2022, o qual estabelece as normas gerais ao tratamento tributário referente às operações envolvendo o trust. Sob a perspectiva prática, o PLP 145/22 se aplicaria aos trusts criados em outras jurisdições, uma vez que tal instituto não é regulamentado pelo ordenamento jurídico no Brasil, até o presente momento.

Além do mais, o PLP 145/22 estabelece que a vigência e validade do trust está relacionada ao ordenamento da jurisdição em que este for pactuado (conforme ato constitutivo), exceto se houver alguma previsão que ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Apesar de o PLP 145/22 ser expresso ao determinar que os trusts devem ser regidos pelas legislações das respectivas jurisdições onde for instituído, é ele extenso e abrange diversas hipóteses e modalidades que podem ser criadas dentro de um trust, como, por exemplo, a previsão de dois tipos de beneficiários, os chamados “efetivos” e os “potenciais”, cada qual com suas particularidades.

No que tange aos brasileiros, a utilização da figura do trust em estruturas de planejamento patrimonial e sucessório é comum quando pelo menos um dos membros da família reside no exterior, por exemplo, ou quando há a intenção de criar destinações muito especificas e com diversos desejos ao patrimônio, visando sua perpetuidade, na maioria dos casos. É preciso lembrar que o trust é um instituto regulamentado pelo direito privado, com origem no direito anglo-saxão e, portanto, formalizado por um contrato elaborado entre as partes que podem dispor sobre as suas intenções e objetivos em inúmeros cenários.

Sob o aspecto contratual é possível a criação de tipos de trust contemplando aspectos no que tange à revogabilidade, discricionariedade, definição e restrições de beneficiários pré-estabelecidos ou não, todas elas pautadas em requisitos dos mais diversos tipos, a depender do desejo e necessidade do seu instituidor (Settlor).

Além dos aspectos contemplados quanto à incidência de IRPF, no âmbito dos impactos tributários estaduais, no início do ano de 2023 a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo publicou a Resposta à Consulta Tributária sob o nº 25.343/2022, interpretando a legislação e a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) nas situações envolvendo beneficiário de Trust constituído no exterior.

O Fisco Paulista entendeu, naquela ocasião, que os bens entregues pelo Settlor ao Trust ficariam apenas sob a guarda do Trustee sendo, os beneficiários, os reais titulares destes bens. Logo, quando os beneficiários são escolhidos pelo Settlor há a caracterização um ato não oneroso praticado por liberalidade deste instituidor configurando-se, portanto, doção e sujeita à incidência de ITCMD.

Desta forma, pelo entendimento da Sefaz-SP, haveria a incidência do ITCMD quando o contribuinte passasse à condição de beneficiário do Trust, independentemente do recebimento de qualquer recurso.

Contudo, o posicionamento da Sefaz-SP em relação à incidência de ITCMD sobre bens recebidos do exterior é contrário ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de repercussão geral, no julgamento do Tema 825, oportunidade em que foi definida a vedação aos estados e ao Distrito Federal de editarem normas prevendo a incidência de ITCMD sobre o recebimento de bens do exterior, até a edição de Lei Complementar que regulamente o tema.

Apesar de debates acadêmicos, legislativos e até mesmo manifestações das autoridades tributárias sobre esse assunto, no fim de abril de 2023 foi publicada a Medida Provisória nº 1.171/2023 que, dentre suas previsões, apresenta regras tributárias para os residentes fiscais no Brasil que detenham ou sejam beneficiários de trusts instituídos no exterior, não considerando alguns desdobramentos e características que uma estrutura contendo um trust pode ter.

Em suma, a MP 1.171/23 determinou que: 1) o trust é uma estrutura transparente para fins tributários; 2) enquanto não houver transferência dos bens do trust para o beneficiário, serão estes de titularidade do instituidor do trust; 3) quando da transferência dos bens para o beneficiário ou do falecimento do instituidor, os bens passam a ser de titularidade do beneficiário; e 4) os rendimentos auferidos, a partir de 1º de janeiro de 2024, serão tributados pelo Imposto de Renda de Pessoa Física e o responsável pelo pagamento do imposto será a pessoa titular do bem, considerando o explicado nos itens 1 e 2 acima.

Notem que as determinações da MP 1.171/23 são abrangentes e não consideram detalhes específicos e relevantes como, por exemplo, a revogabilidade e a existência de condições e regras que não permitam que os beneficiários tenham conhecimento da estrutura ou ainda não sejam elegíveis como beneficiários.

Além disso, no âmbito da MP 1.171/23 é importante, também, levar em consideração o Tema 825 apreciado pelo STF, citado acima, o qual impede a cobrança de ITCMD em doações feitas por não residentes e heranças recebidas no exterior, por ausência de lei complementar.

Por fim, cumpre ressaltar que a Medida Provisória é um instrumento que possui força de lei e é utilizado pelo poder executivo brasileiro para criação de normas em casos de relevância e urgência, sendo o seu trâmite mais célere e menos burocrático que o processo ordinário de criação de uma lei, além do que, pode prejudicar debates e discussões envolvendo os temas a serem regulados, uma vez que o prazo de análise e aprovação pelo congresso nacional é de no máximo 120 dias (60 dias prorrogáveis por mais 60 dias).

Assim, pela relevância do assunto e detalhes que podem compor cada estrutura é importante que os contribuintes busquem assessoria especializada sobre o assunto, e estejam atentos aos próximos desdobramentos.

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