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- 27/06/23

Responsabilização de auditorias e sócios na fraude da americanas ainda gera dúvidas

São Paulo, 23/06/2023 – Os últimos depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Americanas trouxeram uma série de provas que indicam participação da diretoria da companhia na construção do que a empresa chamou oficialmente de fraude de resultados. Pelo apresentado até agora, especialistas indicam punições cíveis prováveis para esses profissionais. Ainda não há caminhos tão claros, porém, para responsabilizar o Conselho de Administração e as auditorias independentes, ainda que, no caso das empresas de auditoria KPMG e PWC, já haja evidências importantes disponíveis.

Os documentos mostrados pelo atual CEO da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, são um recorte das descobertas do Comitê Independente de Investigação, que apura internamente o caso a pedido do Conselho de Administração da companhia. Elas fazem parte dos retornos periódicos enviados pelo Comitê ao conselho da Americanas e tecem uma linha de raciocínio ainda não concluída nas investigações internas.

Coelho citou na CPI trocas de e-mails entre os auditores da KPMG e a diretoria da Americanas nas quais a intenção seria amenizar os termos da carta da auditoria sobre os resultados da companhia. O texto originalmente mostrava a expressão “deficiências significativas”, mas depois foi trocado por “recomendações que merecem a atenção da administração”. Coelho diz que a troca é estratégica. Isso porque, a primeira versão exigiria comunicação ao Conselho de Administração. Na segunda, essa não era uma exigência.

Sobre outra troca de e-mails apresentada na CPI, desta vez entre a PWC e a diretoria, Coelho disse que o documento carece de contexto, mas que pode indicar que a auditoria teria feito sugestões de como redigir questões ligadas a operações de risco sacado, de forma que as operações não ficassem tão claras. Nessas imagens é possível ver a sugestão de uma funcionária da auditoria para mudanças na redação da empresa.

O texto antes dizia: “Confirmamos que não temos, junto aos bancos com os quais temos relação, operações contratadas de antecipação de fornecedores nas quais é oferecido risco de crédito da companhia, operações denominadas ‘forfeit’, ‘confirming’, ‘risco sacado’ ou ‘securitização de contas a pagar'”.

A sugestão da auditoria foi: “Informamos que não temos conhecimento de que as operações de cessão de crédito realizadas a pedido de fornecedores informadas por certos bancos com os quais a Companhia opera, possuem qualquer anuência da Companhia ou envolva a assunção de risco de crédito por parte da Companhia.”

Divisão de opiniões

Uma eventual punição às auditorias PwC e KPMG, que aprovaram os balanços fraudados da Americanas, divide a opinião dos advogados. Para Fernando Zanotti Schneider, sócio da Abe Advogados, os documentos apresentados na CPI indicam que ela participou da fraude. “É muito difícil capturar que os melhores esforços foram feitos e deixaram passar um rombo de dezenas de milhões de reais”, afirma.

Já o especialista em recuperação judicial Fernando Brandariz, presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB Pinheiros, afirma ser improvável, uma vez que a auditoria analisa a documentação entregue pela empresa, sem entrar no mérito. “Ela não entra no mérito se aquela prestação de serviço foi ou não feita ou se foi paga”, afirma.

Segundo ele, as empresas de auditoria só serão responsabilizadas se “for comprovado um conluio” entre elas e a Americanas – assim como eventual punição aos acionistas de referência: Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles.

O depoimento do presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), João Nascimento, indica, por sua vez, algumas das responsabilidades dos sócios e das empresas de auditoria que podem não ter sido cumpridas. “Estamos falando aqui em camadas de responsabilidade: primeiro os diretores, depois, os membros de conselho de administração, comitê de auditoria, conselho fiscal e os auditores independentes. Não é responsável que essas pessoas não tenham nenhum envolvimento no monitoramento, na supervisão e na fiscalização das atividades praticadas pela diretoria”, afirmou.

Ele pontuou que fraudes são feitas para enganar e que não se pode excluir a possibilidade de que essas instâncias tenham sido ludibriadas. No entanto, ele indica que a auditoria independente tem o papel de fazer uma espécie de diário de bordo do processo de auditoria, chamado de “papéis de trabalho”. “Precisamos ser responsáveis, porque a revisão cuidadosa dos papéis de trabalho das auditorias independentes trará outras elucidações para o esclarecimento desses episódios”, disse aos parlamentares.

Implicações cíveis e penais

Pelo que foi exposto, os ex-membros da diretoria da empresa, por sua vez, não devem passar ilesos de uma punição cível, isto é, uma indenização aos credores, e administrativa, pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Nessas esferas, a responsabilização já é tida como certa, segundo especialistas ouvidos pelo Broadcast.

Já na esfera penal, é preciso provas mais robustas capazes de indicar o verdadeiro culpado, cúmplices e a intenção de fraudar os balanços. Tudo vai se basear na capacidade de se provar quem teve a intenção e ajudou a fraudar o balanço da varejista. “Se tiver prova de que houve fraude e de que houve manipulação no balanço e nos livros contábeis, já é suficiente para responsabilização civil. Na penal, essa prova não é suficiente. É fato que houve crime, mas não se sabe quem foi, então é preciso investigação para saber”, afirma a penalista Juliana Sá de Miranda, sócia do escritório Machado Meyer.

Isso porque, no Direito Penal, é preciso provar que a pessoa “agiu com consciência” e “tinha a intenção” de cometer determinado crime, ou se foi “negligente, imprudente ou imperito”. “O simples fato de ser diretor não imputa, automaticamente, a responsabilidade penal. Se um diretor financeiro fez um ato e o contador não sabia, o diretor pode ser responsabilizado. Se o contador ajudou o diretor financeiro a praticar a fraude, os dois podem ser responsabilizados criminalmente”, exemplifica.

Com a palavra:

Em nota, os escritórios Moraes Pitombo Advogados e França e Nunes Pereira Advogados, que representam o ex-diretor da Americanas Timotheo Barros afirmam que “em função de questionamentos sobre possíveis implicações cíveis e penais para os citados pelo CEO das Lojas Americanas na CPI em curso na Câmara dos Deputados do Congresso Nacional, a defesa do Sr. José Timotheo de Barros enfatiza: José Timotheo de Barros não praticou nenhum ato ilícito no exercício de suas atividades profissionais e nem agiu de má-fé no desempenho da diretoria da empresa. Por consequência, irá se defender em todas as instâncias, bem assim tomará providências em face de quem o prejudicou e o está prejudicando”.

A KPMG, por sua vez, afirma que “por motivos de cláusulas de sigilo e regras da profissão, está impedida de se manifestar sobre casos envolvendo clientes ou ex-clientes da firma”. Da mesma forma, a PWC diz que não comenta temas de clientes por questões de confidencialidade e regras de sigilo profissional”.

Sobre as provas selecionadas para a CPI, procurada anteriormente, a Americanas afirmou, também em nota, que “de acordo com Fato Relevante divulgado no dia 13/06, assessores jurídicos apresentaram ao Conselho de Administração da Americanas relatório preliminar com indicação de que demonstrações financeiras da Companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da companhia. Os dados apresentados na Comissão Parlamentar de Inquérito falam por si e o relatório será apresentado a todas as autoridades competentes”.