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- 09/01/23

Novo Marco Regulatório de Fundos deve estimular investimentos no Brasil

Nova resolução da CVM sobre fundos de investimentos ajusta regulação à atual realidade brasileira

O ano de 2022 não foi fácil para aqueles que buscaram investimento no mercado. Com expectativa de inflação anual ao redor de 6% e a taxa básica de juros (Selic) na casa dos 13% [1], verificou-se uma imensa dificuldade em atrair o investidor da renda fixa para a renda variável. Ora, é inegável que a taxa de juros real positiva, aliada ao baixo risco de investimento atrelado à compra de títulos da dívida pública, elevou de forma imensurável o custo de oportunidade do investidor. Não à toa, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), em setembro de 2022, a renda fixa atingiu o maior patamar de emissões do mercado de capitais desde setembro de 2018 [2].

Nesse contexto, em 23 de dezembro de 2022, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Resolução CVM nº 175/22 (“Resolução CVM 175” ou “Marco Regulatório de Fundos de Investimento”), que dispõe sobre a constituição, o funcionamento e divulgação de informações dos fundos de investimento, bem como sobre obrigações e responsabilidades dos prestadores de serviço dos fundos. A nova resolução, que revoga 38 normas anteriores, busca não apenas alinhar a regulação da CVM à legislação vigente, como também adequar restrições regulatórias à atual realidade brasileira. Objeto de amplo debate com especialistas do setor [3], o Marco Regulatório de Fundos de Investimento entrará em vigor no dia 3 de abril de 2023.

Antes de detalhar as inovações introduzidas pelo Marco, é imprescindível fazer uma breve digressão, com a finalidade de compreender o contexto da norma. Isso porque o embrião da Resolução CVM 175 surge da promulgação da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, usualmente conhecida como “Lei de Liberdade Econômica”, que promoveu significativos avanços no desenvolvimento do ambiente de negócios brasileiro. Dentre as modernizações propostas, introduziu-se o art. 1.368-C à Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), dispositivo que definiu o fundo de investimento como uma “comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial”. A partir de então, superou-se um antigo debate sobre a matéria e abriu-se caminho para uma verdadeira dinamização do mercado de fundos de investimento no Brasil.

Dentre as principais alterações propostas pela Lei de Liberdade Econômica para a modernização do mercado de fundos de investimento no Brasil, destaca-se: (i) possibilidade de limitação de responsabilidade de cada investidor ao valor de suas quotas; (ii) criação de classes de cotas com direitos e obrigações distintos, inclusive com a possibilidade de constituir patrimônio segregado para cada classe; e (iii) aplicação do instituto da insolvência aos fundos de investimento com limitação de responsabilidade.

Entretanto, em que pese as alterações introduzidas pela Lei de Liberdade Econômica, ainda restava pendente a atualização da regulação aplicável, fato que resultou no Marco Regulatório de Fundos de Investimento, com imensos benefícios para os investidores.

Em primeiro lugar, definiu-se as regras para a criação de diferentes classes de quotas, com direitos e obrigações distintos. Apesar de parecer simples, a alteração proposta gera repercussões relevantes. De forma geral, a taxa de administração de fundos de investimento é inversamente proporcional ao volume total sob gestão do fundo. Ou seja, ao estabelecer regras para a criação de classes distintas de quotas, o regulador incentiva que haja a diminuição de custos administrativos decorrentes da manutenção de fundos de investimento com estratégias similares, mas focados em públicos distintos. Por consequência, maiores valores sob gestão de um mesmo fundo de investimento devem gerar menores taxas de administração para os investidores.

Em segundo lugar, a CVM trouxe mais detalhes acerca da criação de fundos de investimento de responsabilidade limitada. Importante notar que a autoridade reguladora não se limitou a replicar a disposição legal. Foi além, ao exigir que fosse acrescido o sufixo “Responsabilidade Limitada” à classe de quotas cujo regulamento limite a responsabilidade do quotista. No mesmo sentido, previu a obrigatoriedade de o investidor assinar um termo de ciência de riscos no caso de aquisição de quotas em fundos de investimento cuja responsabilidade seja ilimitada. Por fim, estabeleceu procedimentos, restrições e responsabilidade caso se verifique: (i) que o patrimônio líquido de determinada classe de cotas está negativo; e (ii) a responsabilidade dos cotistas seja limitada ao valor por eles subscritos.

No mais, por meio da publicação da Resolução 175, a CVM definiu as hipóteses, condições e procedimentos para a declaração da insolvência prevista no Código Civil. Delimitou as premissas de aplicação do instituto, bem como responsabilidades do administrador em caso de insolvência – que vai desde a convocação de assembleia de quotistas para discussão de alternativas com vistas a superar o patrimônio líquido negativo, até a atribuição para que o próprio administrador requeira judicialmente a declaração de insolvência.

Por fim, mas não menos importante, o Marco Regulatório de Fundos de Investimento garantiu uma nova opção de investimento ao investidor de varejo. Isso porque, com a implementação de determinadas salvaguardas, restou expressamente autorizado que o investidor de varejo invista em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), antes restrito aos chamados “investidores qualificados” (i.e. aqueles com pelo menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras). Com essa medida, admite-se a entrada de um novo personagem no mercado de créditos brasileiro. A medida gera uma relação win-win: para os investidores, a aplicação de recursos em FIDCs pode gerar uma rentabilidade atrativa que supere o custo de oportunidade decorrente com a atual Selic; por sua vez, para aqueles que buscam investimento, a entrada de um novo player no mercado de crédito tende a aumentar concorrência e diminuir taxas de juros.

Em suma, espera-se que, em 2023, o mercado de fundos de investimento brasileiro ganhe maior dinamicidade. Ora, a limitação de responsabilidade dos quotistas, aliada à potencial diminuição de custos administrativos para a manutenção de fundos de investimento, estabelecimento de procedimentos claros de insolvência, e disponibilização de uma nova modalidade de investimento aos investidores, deve estimular captações e desenvolver ainda mais o mercado de capitais nacional.

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[1] Conforme Relatório Focus publicado em 26 de dezembro de 2022: https://www.bcb.gov.br/content/focus/focus/R20221223.pdf. Acessado em 26 de dezembro de 2022.

[2] https://www.anbima.com.br/pt_br/informar/relatorios/mercado-de-capitais/boletim-de-mercado-de-capitais/renda-fixa-tem-a-maior-participacao-relativa-mensal-no-mercado-de-capitais-desde-setembro-de-2018.htm. Acessado em 26 de dezembro de 2022.

[3] Incluindo duas audiências públicas com mais de 90 contribuições no total: SDM 08/20 (https://conteudo.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2020/sdm0820.html) e SDM 08/21 (https://conteudo.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2021/sdm0821.html) .

PEDRO SAAD ABUD – Advogado e coordenador da equipe de direito societário no Abe Advogados. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pós-graduado em Processo Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Possui especialização em Direito Societário pelo Insper.


DANILO HENRIQUE ZANICHELLI
 – Advogado especialista em Direito Societário no Abe Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Possui especialização em economia brasileira para negócios pela Universidade de São Paulo.

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