liderança

liderança

notícias

notícias

- 16/08/22

LAI v. LGPD: Itu terá de divulgar dados completos de remuneração de servidores

O município de Itu foi obrigado a divulgar adequadamente dados completos sobre a remuneração de seus servidores por meio do portal da transparência e cumprir os dispostos na Lei de Acesso à Informação (LAI). A decisão foi proferida por unanimidade pela 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), no âmbito de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP).

A ação foi baseada em inquérito civil instaurado para verificar as medidas tomadas pelo município, visto que os dados de servidores públicos indicados por cargos estavam incompletos. O Ministério Público disse que tentou o ajustamento da conduta, mas Itu não aceitou a inclusão no portal da transparência dos dados referentes à remuneração por entender que a medida seria desnecessária.

Na apelação, o município alegou já dar cumprimento à LAI e que o pedido seria desproporcional, além de violar a intimidade e vida privada dos agentes, em afronta à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). No mais, cidades vizinhas, como Jundiaí e Mairiporã, adotariam o mesmo parâmetro de divulgação, enquanto Salto nem mesmo publicizaria tais informações, Louveira somente exibiria os vencimentos brutos e Cabreúva divulgaria apenas o salário-base dos servidores.

O relator, desembargador José Eduardo Marcondes Machado, ressaltou em seu voto que, embora não haja previsão legal a respeito de como disponibilizar dados sobre vencimentos, as informações devem ser publicadas da maneira mais abrangente e completa possível — com exceção daquelas de natureza pessoal e íntima. Com isso, a simples divulgação dos salários bruto e líquido não seria suficiente para atender aos princípios da publicidade e da transparência pública. O magistrado citou ainda precedente do Supremo Tribunal Federal (STF), em que a Corte entendeu ser viável não somente a divulgação dos vencimentos, mas também de todas as vantagens pecuniárias de servidores públicos.

“Tais informações, como é elementar, nada têm de íntimas, já que não revelam a existência de empréstimos consignados, pensões alimentícias, endereços, telefones, documentos pessoais ou outras que digam respeito à vida particular do agente público, motivo por que não há que se cogitar de violação à intimidade ou à privacidade ou de conflito com a LGPD,” escreveu Machado.
O desembargador também rebateu o argumento de que outros municípios próximos mantinham prática semelhante, que em nada socorreria Itu, cabendo ao Ministério Público demandá-los para darem cumprimento à lei.

Questionada pela reportagem, a Prefeitura de Itu informou que, em seu portal da transparência, “garante acesso à remuneração de seus mais de 4 mil agentes públicos, conforme o cargo e lotação, indicando seu salário bruto e líquido, em atenção à Lei de Acesso à Informação”. O município acrescentou que dá cumprimento a todos os ditames legais e respeitará o que for decidido judicialmente. Ressalvou, entretanto, que “a matéria ainda será analisada pelos tribunais superiores, cujo pronunciamento se espera diante da proteção conferida aos dados pessoais pela LGPD, que ainda não era vigente quando proferida a decisão, pelo STF, no Recurso Extraordinário com Agravo n.º 652.777/SP”.

Falso conflito entre LAI e LGPD

Segundo Marcelo Cárgano, especialista em Direito Digital do Abe Advogados, o suposto choque entre LGPD e LAI existiria porque a lei de proteção de dados tem como um de seus fundamentos o respeito à privacidade e a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; enquanto a outra prevê a observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção. Apesar disso, “esse suposto conflito não existe, porque as leis têm propósitos distintos e harmônicos entre si.”

A LGPD, afirmou o advogado, não pode ser utilizada como obstáculo à publicização de informações de interesse público. A lei, inclusive, autoriza o uso e a divulgação de dados pessoais para o cumprimento da execução de políticas públicas. “A LGPD é uma lei de proteção de dados pessoais, não de proibição de uso de dados pessoais”.

A análise de Guilherme Klafke, pesquisador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP, vai na mesma linha. No âmbito da LAI, a divulgação dessas informações visa conferir publicidade e transparência, sem a necessidade de consentimento das pessoas, para a proteção de interesse público preponderante. O próprio decreto que regulamenta a Lei de Acesso à Informação já traz em seu texto a obrigação dos órgãos da administração pública divulgarem informações como remuneração e subsídio, incluindo auxílios, ajudas de custo, jetons e outras vantagens pecuniárias.

O professor explicou que a LGPD não proíbe o poder público de divulgar dados pessoais, mas reforça que eles têm de ser tratados com finalidade pública e seu compartilhamento deve seguir o que a própria LAI diz. Além disso, os dados devem ser mantidos de maneira interoperável e estruturada. “A própria LGPD fala, não é para restringir os dados, é para deixar até com mais fácil acesso, para que o público em geral possa acessar essas informações.”

“Em relação aos dados de interesse público, para cumprimento dos deveres de transparência e publicidade, não há um conflito entre LGPD e LAI,” concluiu.

O processo é o de número 1002416-07.2021.8.26.0286. Ainda cabe recurso.

Confira aqui a notícia completa.

profissionais