O Ministério da Fazenda, através do Conselho Monetário Nacional (CMN), divulgou na sexta-feira uma nova regra para corrigir uma distorção no mercado de investimentos que levava empresas dos mais diversos setores a emitirem Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e do Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) para levantar capital.
O objetivo é que agora, a partir da Resolução nº 5.118, de 1º fevereiro de 2024, apenas empresas do ramo imobiliário e do agronegócio se beneficiem de incentivos fiscais que visam o desenvolvimento desses setores. Segundo especialistas, a mudança pode aumentar a demanda por classes de ativos de renda fixa tributadas e, em um segundo momento, elevar a arrecadação da União.
Rafael Sueishi, head de renda fixa da Manchester Investimentos, explica que até então era comum que redes de fast-food, de hospitais e farmácias emitissem CRIs e CRAs pela maior atratividade desses investimentos. A prática não era irregular, já que havia uma brecha na regra.
Para isso, as empresas emitiam debêntures não incentivadas, que são títulos de dívida sujeitos à cobrança de impostos, mas nem chegavam a comercializá-las no mercado financeiro. Através de alguma securitizadora, usavam a emissão como lastro (ou seja, uma espécie de garantia) para a emissão dos CRIs e CRAs — que costumam ter demanda maior por investidores pessoa física devido à isenção de imposto.
— Muitos CRIs tinham os recursos destinados ao pagamento de aluguéis de edifícios que a empresa utilizava ou, por exemplo, serviam para a manutenção de prédios hospitalares. Isso gerava uma distorção na política pública, pois esses títulos deveriam servir para fomentar o desenvolvimento dos setores imobiliário e agropecuário, ao invés de beneficiar empresas de outros segmentos — avalia Sueishi. — Agora, esse tipo de investimento só vai poder ser emitido por construtoras, incorporadoras e outras empresas da área.
A nova regra só se aplica a novas emissões, não afetando produtos emitidos anteriormente. Na visão de Pedro Saad Abud, coordenador da equipe de Debt Capital Market e M&A do escritório Abe Advogados, a regulamentação, válida a partir dessa sexta pode elevar o custo de captação de recursos para empresas que normalmente praticam estas operações, mas não atuam nos setores imobiliários ou do agronegócio.
Em relação aos investidores pessoa física, a expectativa é que com menos opções de CRIs e CRAs, eles sejam obrigados a escolher outras classes de ativo, como certificados de depósito bancário (CDBs), sujeitas a alíquotas entre 22,5% e 15% a depender da data de resgate.
Ricardo Jorge, especialista em renda fixa da Quantzed, também acredita que o mercado pode ficar mais competitivo em relação a investidores, afetando as taxas que são pagas por esses títulos. Por outro lado, opina que a mudança irá conferir mais segurança aos investidores, visto que passam a ser proibidas as emissões de CRAs e CRIs usando direitos creditórios de operações entre partes relacionadas como garantia, ou ainda que usem como lastro recursos de reembolso de despesas.
— O lado positivo dessa história é que o investidor passa a ter um título agora com as garantias adequadas. Ele terá maior certeza de que aqueles emissores farão o aporte das garantias da maneira apropriada e que os recursos serão destinados para os fins nos quais eles foram emitidos.
Vitor Duarte, CIO da Suno Asset, chama atenção que a regulamentação ocorre justamente no momento em que o governo precisa aumentar as fontes de arrecadação para cumprir a meta fiscal:
— Por que ninguém estava preocupado com isso até então? Na minha opinião, o motivador principal é o aumento de arrecadação.
A ampliação do prazo mínimo para as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), de três para 9 meses, e para as Letras de Crédito Imobiliário (LCI), de três para 12 meses, também deve ajudar a impulsionar o interesse por ativos tributáveis, visto que quem optar por ter o benefício fiscal precisará esperar um ano para sacar.
Sueishi considera a novidade saudável para o mercado por avaliar que existia uma discrepância grande entre a rentabilidade líquida de uma LCI ou LCA com vencimento em 90 dias em comparação a um CDB com liquidez diária.
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