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- 12/09/23

Exercício dos direitos políticos sobre quotas caucionadas é limitado

Em 28 de abril de 2023, após ser declarada a inadmissibilidade de recurso especial, transitou em julgado a decisão sobre a apelação relativo ao Processo nº 1018472-86.2019.8.26.0577, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

No julgamento em questão, o TJ-SP além de ratificar entendimento já expresso em outros casos, no sentido de que a simples quebra da affectio societatis não é elemento suficiente para fundamentar exclusão de sócio em sociedade limitada, definiu uma questão importantíssima para a prática corporativa: a caução de quotas de sociedade limitada como forma de garantir uma dívida empresarial não transfere, ao credor respectivo, a prerrogativa de exercer os direitos políticos plenos sobre as quotas caucionadas.

Vale mencionar que a decisão do TJ-SP em questão é do início de 2021, mas a recente confirmação de trânsito em julgado traz nova luz ao debate, principalmente no atual contexto de desenvolvimento do ecossistema de venture capital no Brasil.

Em suma, conforme o acórdão relativo ao processo, desde meados de 2016, uma determinada sociedade (“sócia investidora”) realizou diversos aportes financeiros em uma sociedade holding que detém participações em empresas operacionais ativas no segmento de produtos de higiene pessoal (“Sociedade Investida”), bem como em suas sociedades participadas. No âmbito destes aportes, ficou definido que uma parte do valor das dívidas seria paga por meio da aquisição de quotas representativas do capital social da Sociedade Investida, ao passo que outras partes seriam objeto de devolução em dinheiro, sendo tal devolução em dinheiro garantida através da caução de quotas detidas por outros sócios na Sociedade Investida.

Após o vencimento do prazo para quitação das dívidas contraídas com a sócia investidora, tanto pela sociedade investida quanto por suas empresas participadas, surgiram divergências em relação aos montantes de juros pendentes e outros desacordos diversos entre a sócia investidora e os demais sócios da sociedade investida. Estas disputas causaram tensões significativas, afetando negativamente a operação da Sociedade Investida. Foi nesse contexto que o processo foi proposto contra a Sociedade Investidora.

No julgamento do processo pela 1ª Câmara Empresarial do TJ-SP, em primeiro lugar, firmou-se entendimento segundo o qual a simples quebra da affectio societatis não é motivo suficiente para fundamentar a exclusão da sócia investidora na sociedade investida. De acordo com a corte julgadora, a exclusão de sócio é medida excepcional que se justificaria apenas no caso de comprovada falta grave praticada pelo sócio que se pretende excluir. Assim, a simples participação ativa da Sócia Investidora na fiscalização das atividades da sociedade investida não constitui ato capaz de ensejar a caracterização de falta grave nos termos da legislação aplicável. A decisão não poderia ser mais acertada. Nesse sentido, dispõe o Artigo 1.030 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (“Código Civil”):

“Artigo 1.030. Ressalvado o disposto no artigo 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente”.

O julgado está alinhado com diversos precedentes jurisprudenciais do TJ-SP sobre o tema. Fato é que o simples desentendimento entre os sócios não poderia de fato fundamentar a exclusão do minoritário. O precedente tem uma relevância ainda maior no ecossistema de venture capital, em que os fundadores costumam manter o controle da sociedade investida no contexto de um captable pulverizado ainda em sociedade limitada, que conta com sócios que acreditam no desenvolvimento da startup receptora dos aportes. Não fosse a garantia de segurança jurídica promovida pelos tribunais em exame cauteloso da legislação aplicável, ao menor sinal de “faísca”, fundadores mal-intencionados poderiam discricionariamente excluir investidores não alinhados aos seus posicionamentos estratégicos de longo prazo. Ou, igualmente pernicioso, seria a possibilidade de investidores detentores de maior número de quotas representativas do capital social da sociedade (desconsideradas as quotas detidas pelo fundador), decidirem excluir um fundador da própria startup em razão de desalinhamentos de qualquer natureza.

Adicionalmente, a 1ª Câmara Empresarial tornou sem efeito os atos aprovados em deliberação convocada pela sócia investidora para a destituição dos administradores da sociedade investida. Isso porque, por meio de prerrogativa acordada nos contratos que regularam os aportes na sociedade investida e suas empresas participadas, a sócia investidora utilizou-se das quotas caucionadas da sociedade investida em seu favor para votar pela aprovação da destituição da então administração, fato que viola a necessária correspondência entre a participação no capital social e o respectivo poder de voto.

Conforme entendeu a 1ª Câmara Reservada, a sócia investidora não poderia exercer direitos políticos referentes às quotas caucionadas em seu favor, porque apesar de se tratar de discussão relacionada à sociedade limitada, a matéria deveria ser analisada e decidida por analogia ao artigo 113 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que proíbe a transferência de exercício pleno de direito de voto de ação penhorada ao credor respectivo.

Complementarmente, a turma julgadora fundamentou a sua decisão com base no artigo 1.428 do Código Civil, o qual aborda uma questão importante sobre acordos de garantia em contratos, fixando que são nulas as cláusulas que permitem ao credor pignoratício (credor que tem um bem empenhado como garantia), anticrético (credor que recebe um imóvel em locação como garantia) ou hipotecário (credor que tem uma hipoteca sobre uma propriedade como garantia) tomar para si o objeto que serve como garantia, caso o devedor não pague a dívida na data de vencimento.

Nesse contexto, também não poderia a sócia investidora exercer os direitos políticos inerentes às quotas caucionadas, ainda que previamente acordado contratualmente, porque é legalmente impedida de se consolidar plenamente como titular das quotas caucionadas, com base na interpretação do artigo 1. 428 do Código Civil.

Entendemos que, no geral, interpretando o direito posto sobre a matéria (de lege lata), a decisão do TJ-SP foi acertada e bem fundamentada. Agora, ao refletir se o tratamento dado pelo direito posto é adequado (ou seja, diante de uma análise de lege ferenda), existem os dois lados: de um,  é necessário ter em vista que a proteção se deu em relação aos direitos políticos do bem garantidor da dívida — as quotas da sócia investida — e que, apesar de algumas vezes convergentes, não são poucas as situações em que os interesses do credor estão desalinhados ao da sociedade, na medida em que o primeiro busca o ressarcimento do crédito a qualquer custo, ao passo que a segunda possui os próprios projetos de endividamento para fins de expansão dos seus negócios. De outro, há que se ponderar que a possibilidade de exercício dos direitos políticos inerentes às quotas caucionadas pelo credor fora acordada previamente entre os envolvidos e pode ter sido condição essencial para a concessão do financiamento pelo credor, além de que, ao exercer direito de voto em sociedade, dever-se-ia impor-lhe os deveres de voto previstos na lei societária (ou seja, voto no interesse da sociedade, bem como os deveres de controle se tal posição assumir).

Especificamente para o ambiente do venture capital, que exige extra cautela por parte dos investidores e das investidas, a decisão chama a atenção para o cuidado que se deve dar à redação do documento para formalizar o investimento pretendido, com vistas a mitigar desentendimentos futuros. As conversas duras e difíceis que serão necessárias para a elaboração destes documentos, logo no início da relação comercial, são mais benéficas para o relacionamento das partes a longo prazo

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