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- 14/04/22

Cade, cadê a inflação?

Em nosso país costumamos apontar dedos para erros rapidamente, mas, poucas vezes, boas práticas governamentais são elogiadas.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) representa um dos pilares de segurança jurídica em nosso país, que possui seu Judiciário tão questionado e, por vezes, politizado. Esse órgão administrativo é fundamental para a dinâmica dos negócios, sendo essencial para a defesa do ambiente competitivo. A opinião do Cade é tecnicamente respeitada, ainda que sujeita a críticas pontuais, o que é natural, considerando que o órgão rotineiramente analisa questões de altíssima complexidade econômica.

Tempestiva a discussão de rever os valores estabelecidos em nosso ordenamento jurídico para os atos de concentração

Trata-se de uma instituição relevante que possui entre suas funções analisar as fusões, aquisições de controle, incorporações e outros atos de concentração econômica entre grandes empresas que possam colocar em risco a livre concorrência e, ainda, investigar, em todo o território nacional, bem como posteriormente julgar cartéis e outras condutas nocivas ao mercado.

Em que pese as dificuldades impostas pela pandemia, em 2021 foram 611 atos de concentração analisados, o que representa um recorde, bem como revela um ritmo crescente de operações relevantes. Até o começo de abril, de acordo com informações do Cade (cadenumeros.cade.gov.br), já foram julgados 149 atos de concentração. Trata-se de um esforço notável e digno de elogio.

Entretanto, como advogado que assessora clientes em operações de fusões e aquisições, noto que, por vezes, operações simples, de middle market, com baixa relevância macroeconômica e que não representam risco à livre concorrência têm tumultuado a agenda do Cade, o que, obviamente, não é o melhor uso dos recursos de tal órgão nem dos valores pagos para analisar tais processos.

Ao acompanhar as transações conduzidas pelo escritório ao longo de 2021, percebemos que boa parte das transações são aprovadas sem restrições. Em 2021, das 611 mencionadas transações, 585 foram aprovadas sem restrições, ou seja, um percentual acima de 95% dos casos analisados pelo Cade, de uma forma objetiva, não impacta o ambiente competitivo nacional.

Em termos gerais, a Lei de Defesa da Concorrência (Lei Federal n° 12.529/11) determina que a compra e venda de empresas (bem como outros atos chamados de atos de concentração econômica) devem ser obrigatoriamente submetidos à análise e aprovação prévia do Cade, na hipótese de o comprador (ou seu grupo econômico) ter registrado faturamento bruto anual ou volume de negócios total no Brasil de, pelo menos, R$ 750 milhões no ano anterior, e o vendedor (ou o outro grupo econômico envolvido) ter registrado faturamento bruto anual ou volume de negócios total no país de, pelo menos, R$ 75 milhões no mesmo período. Esses valores foram determinados pela Portaria Interministerial nº 994, de 30 de maio de 2012.

Ainda que não impactem o ambiente competitivo nacional, essa análise prévia de atos de concentração consome tempo do Cade, bem como recursos das empresas e dos contribuintes. As taxas processuais são elevadas, no valor de R$ 85 mil para os processos que têm como fato gerador a apresentação dos atos previstos no artigo 88 da lei.

Adicionalmente, são devidos honorários advocatícios para o comprador e vendedor que normalmente são assessorados por advogados diferentes, além de um razoável empenho de informações que são analisadas no protocolo do ato de concentração.

É fato que o Brasil voltou a conviver com uma inflação acima de nossa média histórica, desde o controle da inflação iniciado com o Plano Real. Tempestiva, portanto, a discussão de rever os valores estabelecidos em nosso ordenamento jurídico, para verificarmos se fazem sentido (e, não, não fazem sentido).

Nesses quase 10 anos da promulgação da mencionada portaria interministerial, a inflação sobre o piso das operações sujeitas à submissão perante o Cade mudou muito. Corrigir monetariamente o valor nominal de R$ 75 milhões de maio de 2012, pelo IGP-M significa, hoje, R$ 181 milhões, mais do que o dobro do valor inicial. Se usarmos o IPCA (índice que alguns podem argumentar que reflete melhor a inflação real), ainda assim encontraríamos algo próximo a R$ 135 milhões! Valor esse que representa um aumento superior a 79%.

Essa inflação não leva em conta ainda os potenciais impactos decorrentes dos conflitos internacionais de 2022, especialmente a Ucrânia, o que torna a situação cada vez mais emergencial.

Duas questões importantes nesse contexto são necessárias: será que todos esses 149 atos de concentração já analisados em 2022 deveriam estar sobre o escrutínio do Cade? Não poderíamos corrigir os valores da portaria para reduzir os custos de transação, tornando o ambiente de negócios mais eficiente, bem como deixando tal órgão se dedicar com mais profundidade às suas funções? Parece-me que a resposta é “sim” para ambas as questões.

Caso não se corrija essa distorção, entendo, com convicção, que o Cade não poderá exercer com eficiência a enorme função que possui, especialmente considerando o número crescente de operações que devem passar por seu exame preventivo. Em minha visão, é essencial uma revisão dos valores que estão sujeito ao ato de concentração, pois os parâmetros atuais não refletem adequadamente a realidade dos negócios, consumindo recursos escassos tanto do Cade quanto dos contribuintes.

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